“Divertida Mente” demonstra, com humor, a necessidade do equilíbrio emocional
- João Pedro Peron
- 4 de jun. de 2024
- 5 min de leitura

Divertida Mente (2015) foi lançado há quase uma década e até hoje está presente em nossas memórias, sendo referência para situações comuns do dia-a-dia, como a famosa frase “O que será que se passa na cabeça de tal pessoa?”, prova disso é que uma sequência será lançada nos cinemas ainda este mês. Mas será que a qualidade da aclamada animação é fruto de nossa nostalgia ou realmente se trata de uma das melhores da Pixar?
Divertida Mente conta a história de Riley (Kaitlyn Dias), uma menina de 11 anos que está mudando de Minnesota para a Califórnia. Enquanto tenta se adaptar à nova realidade suas emoções Alegria (Amy Poehler), Tristeza (Phyllis Smith), Raiva (Lewis Black), Medo (Bill Hader) e Nojinho (Mindy Kaling) tentam guiar a criança por essa nova fase, mas tudo se complica quando entram em conflito e a Alegria e Tristeza acabam se perdendo dentro da mente de Riley. Atualmente, o filme encontra-se em exibição na plataforma de streaming Disney+.
Na minha opinião, essa é uma das histórias mais originais da Pixar, que consegue se aprofundar no íntimo de seus personagens e no que faz com que nós sejamos nós, ou seja, o que determina nossas personalidades, muitas vezes tão distintas. O design de personagens e toda a criação da mente de Riley é excelente, uma vez que conseguiram personificar emoções de um jeito único e memorável, que continua em nosso imaginário após o fim dos créditos. Toda a ideia de criação de memórias, como as armazenamos e definem nossas personalidades, a origem dos nossos sonhos, entre outros elementos que compõem a narrativa é criado e trabalhado de um modo tão criativo e único ao concretizar elementos tão abstratos, ao mesmo tempo que consegue abstratizar esses mesmos elementos concretos, o que torna a própria personalidade do filme inconfundível, convidando-nos a pensar inúmeras possibilidades dentro daquele universo, até mesmo muito além do que o filme se propõe a entregar.

Apesar de não se tratar de um “coming of age”, o amadurecimento de Riley é narrativamente muito presente, visto que a personagem precisa se adaptar a uma realidade completamente diferente da ambientada, agora que está a mais de três mil km de distância de onde nasceu. Toda essa insegurança da personagem é demonstrada na maneira caótica e cômica com que as emoções tentam se organizar para evitar o máximo de problemas possíveis, sempre guiadas pela Alegria, sentimento que consegue ser muito mandona e teimosa algumas vezes e rege a vida da criança, estando presente em suas lembranças mais importantes. Entretanto, quando ela se perde junto da Tristeza, os outros personagens não conseguem suprir essa ausência e começam a bagunçar a mente de Riley, como se fosse um desbalanceamento químico em nossos cérebros, que, em certo ponto, podem ser interpretados como o início da depressão, quando não se pode “sentir” mais nada. Tudo isso é trabalhado com uma imensa sensibilidade e de forma leve, com a qual a criança pode se identificar mais superficialmente e os adultos mais a fundo.
Esse amadurecimento também é presente nas próprias emoções em seus arcos dramáticos ao reconhecerem a importância das mudanças e do esquecimento do que não condiz mais com a atual fase de nossas vidas, para que sejamos “atualizados” (muitas vezes tratado de forma literal pela obra com aprimoramentos técnicos dentro da mente da criança) à medida que crescemos. Isso é evidente, também, pelo contraste entre como a mente de Riley e a de seus pais funcionam, sendo estas muito mais operantes conforme suas personalidades adultas já estabelecidas, diferente do caos imprevisível que se passa na cabeça de uma criança. Outro detalhe é a liderança: enquanto Riley é guiada quase inteiramente pela Alegria, sua mãe já aparenta ter a Tristeza no comando, enquanto resolve seus problemas com calma e mais serenidade; em contrapartida, seu pai apresenta o Raiva como “chefe”, o que torna suas decisões mais intensas, emocionais e menos calculadas.

Entretanto, para mim, o maior destaque de Divertida Mente é o relacionamento entre a Alegria e Tristeza, que contém clichês presentes em outros filmes da Disney, mas que aqui são utilizados de maneira muito funcional e com uma proposta muito nobre: mostrar a importância do equilíbrio emocional e, especialmente, da Tristeza em nossas vidas. Muitas vezes nos equivocamos ao demonizar sentimentos, e idealizarmos uma necessidade única de emoções positivas, o que não é saudável, visto que o equilíbrio e a presença de sentimentos como a Tristeza são essenciais para podermos vivenciar e superar fases difíceis, além de ser fundamental para a nossa humanidade. A maneira metafórica que a obra explica a necessidade de abraçarmos as nossas melancolias ao invés de evitá-las é de um primor singular.
Essa linha de raciocínio é desenvolvida muito cuidadosamente pelo arco dramático da Alegria, que nos convida a mudarmos nossa opinião a respeito de tais sentimentos teoricamente "negativos" ao observarmos uma interação física e concreta entre eles. Toda essa falsa percepção de inutilidade da Tristeza é demonstrada pela obra muitas vezes pela idealização das nossas lembranças, as quais mantemos apenas os bons momentos como destaque e pensamos que apenas esses podem ser a razão por tais memórias serem tão especiais para nós, o que não é verdade. Uma lembrança é uma mistura de sentimentos, especialmente as mais importantes de nossas vidas e, portanto, podem ser revisitadas de diferentes formas com base no atual estado que estamos vivenciando, seja esse triste, aterrorizante ou alegre, por exemplo, o que transforma o modo como olhamos para trás e revivemos momentos de nossas vidas. Como já dizia o filme Ela (2013): "o passado é só uma história que contamos a nós mesmos".
Isso é possível ao nos simpatizarmos pela personagem da Tristeza e pela sua jornada de autoconhecimento e de descobrimento de seu papel importante na vida de Riley, ao mesmo tempo que a obra nos convida a ter a mesma mudança de pensamento. Mas isso não vale apenas para a Tristeza, visto que as outras emoções também têm importante papel na construção da personalidade de Riley, em especial o Medo, sentimento evitado por tantos, mas que possui seu valor demonstrado muito bem na animação.

Entretanto, acredito que a trama se desenvolve rápido demais, mesmo para um filme voltado, em sua maior parte, para o público infantil, como mudanças entre diferentes cenários que ocorrem muito rápido, de modo que tudo se apressa para chegar à conclusão bastante criativa (como toda a obra em si) e satisfatória. Além disso, a personagem da Nojinho me parece um tanto avulsa na trama, com uma participação que não aparenta possuir peso, como o Raiva e Medo, que ainda conseguem render sequências hilárias. Ademais, todo o humor do filme é baseado na ideia que a Pixar trabalhou ao longo de seus filmes, na qual o público infantil consegue pegar algumas piadas, enquanto deixa escapar as destinadas aos adultos e, em Divertida Mente, todas funcionam comigo, assim como os momentos emocionantes.
O contraste da Alegria e Tristeza é muito evidente pelas interpretações das atrizes Amy Poehler (Parks and Recreation), que expressa uma positividade tóxica, muitas vezes irritante; e Phyllis Smith (The Office) com sua inevitável e indisfarçável melancolia e racionalidade.
Portanto, a Pixar entrega extrema criatividade em Divertida Mente, ao tratar de temas tão sensíveis e maduros, como equilíbrio emocional, com uma linguagem que atende ao público adulto e, principalmente, consegue conversar com as crianças de uma maneira leve e divertida, o que faz a obra, na minha opinião, estar entre os melhores trabalhos do estúdio de animação.
Ficha técnica

Divertida Mente (Inside Out - EUA, 2015)
Duração: 95 minutos
Gênero: Animação, Comédia, Drama, Aventura
Direção: Pete Docter
Roteiro: Pete Docter, Meg LeFauve, Josh Cooley
Elenco: Amy Poehler, Phyllis Smith, Bill Hader, Lewis Black, Mindy Kaling, Kaitlyn Dias, Richard Kind, Diane Lane, Kyle MacLachlan
Montagem: Kevin Nolting
Cinematografia: Patrick Lin
Música: Michael Giacchino
Política de uso: A reprodução de textos, fotografias e outros conteúdos publicados neste blog é livre; porém, solicitamos que seja(m) citado(s) o(s) autor(es) e o Câmara Escura.
コメント