“Columbus” e a futilidade da técnica pela técnica
- João Pedro Peron
- 7 de ago. de 2024
- 7 min de leitura

Columbus (2017) é o longa de estreia do cineasta e roteirista sul-coreano Kogonada. A história é muito simples: Casey (Haley Lu Richardson) é uma habitante de Columbus, de 19 ou 20 anos e apaixonada por arquitetura. Ela desenvolve uma relação com Jin (John Cho), o filho de um professor de arquitetura que tem problemas de relacionamento com o pai, que encontra-se doente, motivo que trouxe Jin de volta à sua cidade-natal.
Há vários exemplos no cinema que mostram que tramas simples não significam necessariamente mérito ou demérito, existindo vários exemplos de histórias não complexas de filmes muito bons, como Mad Max: Estrada da Fúria (2015), Encurralado (1971), Projeto Flórida (2017), entre tantos outros. O importante nesses filmes que citei é que, assim como em Columbus, não são rasos, visto que simplicidade não é justificativa para superficialidade.
Essa simplicidade é muito observada pela decupagem de Kogonada, muito caracterizada pelo minimalismo. A câmera nunca está na mão e há pouca movimentação, ocorrendo alguns “tracking shots” ou panorâmicas, como se fizéssemos parte dos ambientes, mas não digo figuradamente, é como se fizéssemos parte das estruturas nas quais os personagens estão inseridos. Toda a arquitetura presente no filme está até mesmo nesse detalhe da direção.
Esse minimalismo também está presente na utilização constante de espaços vazios na fotografia, com planos bem abertos, que torna ainda mais magistral os lugares os quais os protagonistas visitam e discutem sobre ao longo da obra, o que faz sentido para ambos: para Jin, a arquitetura serve como uma figura onipresente de seu pai naquela cidade, que intimida o protagonista e faz com que ele fique pequeno, ele nunca deixou de ser uma criança que não recebeu a atenção que queria e se esconde em máscaras de raiva e indiferença perante ao professor.
Para Casey, a sensação de estar pequena reflete diretamente no que ela sente naquela cidade, como se já absorveu tudo o que ela tinha para lhe oferecer e almejasse buscar novos propósitos e não enxergasse Columbus como um cenário viável para eles, apesar de constantemente mentir que está feliz na cidade e que quer seguir carreira de bibliotecária, por exemplo. Entretanto, como esses espaços vazios são utilizados com tamanha maestria, são preenchidos por seus personagens, o que não dá espaço algum para qualquer sensação de “vazio”.

As cenas iniciais podem parecer jogadas e sem sentido no primeiro contato, como se o filme tentasse ser mais profundo do que realmente é, o que não é o caso. Cenas como plantas sendo regadas, guias de turismo falando sobre construções modernistas da cidade, a protagonista observando uma criança no parquinho ou insegura ao lidar com a mãe são retomadas ao longo da obra e fazem parte do desenvolvimento dos personagens, muito pela montagem na qual essas passagens estão inseridas. Pois, um plano sozinho não quer dizer nada, mas quando ele se relaciona com o anterior e posterior é que vai tecendo a construção narrativa do longa.
Por exemplo, eu interpreto que quando mostram as plantas sendo regadas na biblioteca e logo depois corta para Jin tomando banho, é referenciada a questão da falta e anseio de afeto do protagonista pelo pai, como se ele, ao retornar à cidade-natal, sente-se mais como uma pequena planta, que não faz parte daquele universo. Esse pensamento é reforçado pelo momento em que ele diz para Casey: “Você cresce ao redor de algo e parece é nada”, toda a áurea arquiteta representa, para Jin, o pai e os interesses deste, como se o filho sempre estiver ao seu redor, apenas orbitando e implorando por sua atenção. Mais ao final do filme, há uma cena em que ele está no mesmo lugar em que o pai estava no início, além de árvores crescidas e pequenas se alternarem entre planos, como se ele entendesse que, agora, ele que precisa dar essa atenção ao pai, que se encontra enfermo. Com os papéis estivessem se invertendo, assim como as árvores, conforme colocadas na montagem. Além de representar como é tão difícil realizar um papel que não recebeu.
Ademais, há uma frase muito famosa no cinema chamada “não diga-me, mostre-me”, e o personagem do Jin é desenvolvido com base nisso, embora ele diga que não liga para o pai. Por exemplo, vemos ele jogando um jogo de tabuleiro sentado em uma cadeira e, na frente dele, uma cadeira vazia em que ele colocou o casaco do pai, como se sentisse por todos esses anos perdidos.
Outro momento é Casey observando uma criança brincar, ficando encantada com aquilo, como se ela estivesse se vendo, quando estava descobrindo a cidade e suas paixões, mas que não a enxerga mais feliz naquele lugar, agora crescida.
Esse deslocamento da Casey em relação à cidade é desenvolvido nos diálogos que tem com Jin. Quando ambos começam a conversar sobre arquitetura, Casey começa a descrever os prédios e sempre começa contando curiosidades históricas e técnicas, como um guia de turismo, mas Jin não está interessado nisso. Ele inclusive alerta a garota que ser guia de turismo é muito chato, pois você começa a repetir fatos num processo mecanizado e automotivo, sem necessariamente apelo emocional, o que seria deveria ser o principal diferencial entre um guia de turismo e um folheto informativo. Por isso, ele começa a perguntar para a protagonista por que ela tem esses prédios modernistas na lista de favoritos e não aceita respostas técnicas, ou seja, quer saber como ela é emocionalmente ligada ao lugar.

Quando esse momento ocorre e a protagonista começa a explicar porque gosta tanto de tais lugares, a câmera muda para uma visão de dentro do prédio, onde não ouvimos os personagens, mas os observamos através de um vidro, ironicamente no momento em que Casey começou a ficar mais “transparente”, algo notável apenas ao olharmos sua feição ao falar de um assunto que ama, mas agora a nível emocional. Tenho em mente que esse momento que a fez perceber que realmente precisava, de fato, ir embora daquela cidade e começa um grande conflito interno dentro da protagonista, que não quer deixar a mãe sozinha.
Acredito que essa abordagem assombra muitas vezes alguns textos de análise cinematográfica ou de qualquer arte, pois, se nos limitarmos a descrever as tecnicidades da obra, não estamos fazendo uma análise verdadeira, pois a técnica pela técnica é fútil. Apontar que há um plano-sequência, por exemplo, uma inteligência artificial (como o Chat GPT) faz, mas mostrar como isso impacta a obra, o que o realizador quis dizer com aquilo e como ele impacta você é o que determina a singularidade de cada texto. Por isso, penso sempre em como os textos de análises possam ser menos descritivos e mais, de fato, opinativos. Apontar elementos técnicos é fundamental para uma análise completa, mas se restringir a isso é futil.
Em Columbus, observamos as construções com base na lista de preferências da protagonista e não nas principais ou mais influentes construções da cidade, um detalhe que exalta a importância em como Casey se relaciona emocionalmente com a arquitetura e o que faz com que ela tenha muito potencial e podemos nos encantar, assim como Jin, por sua paixão sobre tal assunto.
O mesmo ocorre em obras cinematográficas propriamente ditas. Sabe quando você tem a sensação de que o filme é tecnicamente excelente, mas um tanto vazio? Pra mim é mais um exemplo de como a técnica não se sustenta sozinha. Pois a intenção de utilizá-la sem propósitos subjetivos, apenas pela ténica propriamente dita é um tanto vazia, o que faz com que outros trabalhos, que fazem uso dessa tecnicidade com finalidades que, de fato, correspondem à história contada destacam-se.
É interessante que, à medida em que mais construções modernistas são apresentadas, mais vidro elas possuem, porque os protagonistas estão cada vez mais transparentes para si mesmos. Ambos chegam a falar “Mais vidro. Transparência. Iluminação.”, enquanto observam um paredão horizontal longo totalmente de vidro, sendo possível ver funcionários que limpam o prédio por dentro.

Outra abordagem muito interessante de Kogonada é que, quando personagens observam outros, nós mesmos também os observamos por espelhos, ou seja, assistimos às cenas inteiramente por seus reflexos, sendo cuidadosamente colocados, de forma que o tamanho dos espelhos e a forma também condizem com as personalidades específicas dos personagens refletidos.
O verde transmite a sensação de equilíbrio e, como repetido pela protagonista Casey sobre algumas obras modernistas que observam, “Não é simétrico, e ainda sim perfeitamente balanceado”, o que remete à própria fotografia do filme. Ela puxa mais para cores esverdeadas, mas não é simétrica, visto que a câmera está constantemente deslocada para cima, quando entram em ambiente fechados, ou com pontos de interesse desbalanceados em áreas abertas. De modo que, em muitas cenas, os personagens não são distribuídos simetricamente na tela, e sim, deslocados ambos para os lados, mas mantendo a sensação de equilíbrio, que é apresentado com uma trilha sonora relaxante que conversa muito com as emoções dos personagens.

No filme há dois problemas que eu vejo: um é não mostrar o momento da decisão de Casey de sair ou não de Columbus, apenas aparece ela decidida, sendo que há poucos minutos antes ainda estava em indecisão. Outro ponto que me incomodou foi a proposta da personagem de Eleanor (Parker Posey) ser um tanto jogada, visto que a protagonista tinha outra proposta da arquiteta Deborah Blake, que também não é tão bem esclarecida ao final.
A Haley Lu Richardson está excelente, consegue entregar a melancolia disfarçada de conformismo da personagem. Embora diga que está tudo bem e que está feliz morando em Columbus, conseguimos observar o deslocamento que a personagem sente e sua insegurança de deixar a mãe para trás. É interessante que, em um diálogo com Jin (que a incentiva a sair da cidade e estudar arquitetura), ela lamenta falando que a mãe ficaria perdida com a sua ausência, e ele apenas fala “Sim, talvez.”, como se ela buscasse conforto na grande mudança que faria em sua vida, mas que não o encontra vindo de outra pessoa, sendo ela que deve tomar essa decisão, mesmo sabendo dos prós e contras. Um diálogo parecido é remetido ao final do filme, só que, dessa vez, entre Casey e sua mãe, e a resposta da protagonista reflete o peso da decisão que tomou por conta própria, seja ela qual tenha sido, pois não darei spoilers aqui.
O John Cho também está excelente interpretando um homem que não expressa tanto seus sentimentos e tenta demonstrar apatia perante a situação enferma de seu pai e com a própria cidade-natal. Seu conflito e desenvolvimento é mais silencioso, como podemos observar nas cenas supracitadas, em que não há diálogos.
Portanto, Kogonada debuta com maestria com Columbus, um filme que, além de conter a paixão pela arquitetura moderna, consegue demonstrar, à minha interpretação, a importância do fator subjetivo ao analisar arte em contrapartida à restrição de apenas descrever a técnica.
Ficha Técnica

Columbus (EUA, 2017)
Duração: 104 minutos
Gênero: Drama
Direção: Kogonada
Roteiro: Kogonada
Elenco: Haley Lu Richardson, John Cho, Parker Posey, Rory Culkin, Michelle Forbes, Erin Allegretti, Shani Salyers Stiles, Reen Vogel
Montagem: Kogonada
Cinematografia: Elisha Christian
Música: Andrew Thompson, Marc Byrd
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