A fantástica Teoria das Cores em "Better Call Saul"
- Renan dos Santos
- 12 de abr. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 2 de mai. de 2024

Dirigida por Peter Gould e Vince Gilligan, a série Better Call Saul surgiu em 2015 como um spin-off, ou seja, uma história derivada da renomada série Breaking Bad (2008-2013). Ao nos transportar para um período anterior aos eventos dramáticos protagonizados por Walter White e Jesse Pinkman, a segunda série mergulha na jornada de transformação do advogado Jimmy McGill (Bob Odenkirk) em seu alter ego, o malandro Saul Goodman. Com maestria, Gould e Gilligan desvendam as origens desse icônico personagem e exploram as problemáticas do universo jurídico e moral em que ele está inserido.
Assim como em todo o universo de Breaking Bad, os diretores utilizaram a fascinante Teoria das Cores para compor o conjunto de sentidos colocados durante as seis temporadas de Better Call Saul. Neste post, irei explorar essa teoria e entender como ela é aplicada na série, então pega um chá (ou café, para os mais enérgicos) e vem comigo!
O que é a Teoria das Cores?
Há algumas divergências em relação à determinação do período no qual essa teoria foi criada, mas fato é que os estudos do físico inglês Isaac Newton sobre o “círculo cromático”, em 1666, foram fundamentais para entender a sistematização das cores e o contraste entre elas. A partir disso, diversas análises foram feitas ao longo dos séculos até chegarmos realmente à Teoria das Cores, que pode ser definida como uma linha de desenvolvimento artístico criada para que artistas, cientistas e designers consigam organizar e utilizar as cores de uma forma harmoniosa, de modo que cause determinado impacto naqueles que as enxergam.
Assim, é possível que cada cor demonstre um sentido, como o vermelho, que pode ser usado para representar o amor, e o verde, que pode representar a esperança. Essa teoria mostra como a arte vai muito além do estético, podendo ser um tipo de ciência que ajuda a entender como o olho humano interpreta o que vê a partir da associação entre cores e suas representações.
Os personagens
Como já foi confirmado por Peter Gould, as vestimentas dos personagens de Better Call Saul são totalmente pautadas pela psicologia das cores. Nessa obra, as cores mais quentes, como o vermelho, são utilizadas em personagens envolvidos diretamente com o crime. Os tons mais frios, por sua vez, são vistos em personagens e cenas mais leves ou inocentes. Não é à toa, inclusive, que a teoria ficou também conhecida como The Ice and Fire Theory (Teoria do Gelo e Fogo).

Um clássico exemplo da Teoria das Cores é Tuco Salamanca (Raymond Cruz), que inclusive, é um dos meus personagens favoritos do universo de Breaking Bad. As tonalidades das roupas do bandido estão sempre puxadas para o vermelho, principalmente nos momentos em que o vemos com uma arma na mão. Sua personalidade agressiva e com traços de impulsividade também contribuem para uma representação da raiva a partir dessa cor.

Nacho Varga (Michael Mando), o traficante que auxilia os Salamancas em seus esquemas, também expressa uma forte manifestação do vermelho em suas aparições.
O curioso é que, por ser muito mais calmo do que Tuco, o personagem também usa roupas azuis em alguns episódios nos quais age com mais tranquilidade. Logo, mesmo que faça parte de uma organização criminosa, o rapaz ainda mantém, em seu interior, um comportamento mais cauteloso, e os diretores da série reforçam essa característica com um contraste entre vestimentas de cores quentes e frias, e em momentos específicos.

O total oposto dessa paleta avermelhada é Kim Wexler (Rhea Seehorn), a parceira de Saul Goodman nos escritórios de advocacia e nas aventuras “fora da lei”. Na maior parte das cenas, a personagem está trajando algo cinza ou até mesmo azul-claro, representando a calma, racionalidade, e por vezes, até inocência.


Por fim, é claro que a estrela do show não poderia ficar de fora! Percebeu que nas imagens, Saul Goodman está sempre com roupas mais escuras e a cor cinza é predominante? Porque, de modo geral, ele é a ponte que liga o fogo ao gelo, isto é, a criminalidade ao mundo das leis. Mas, também há um desequilíbrio nessa paleta de cores, dependendo das fases em que o personagem se encontra.
Enquanto ainda se identificava como Jimmy McGill, o advogado vestia roupas com cores frias e isso expressava seu modo de agir, que era mais ligado à lei e, consequentemente, pautado pelo que é moralmente correto.

Entretanto, a partir do momento em que inicia sua busca incessante por dinheiro e poder, o advogado realmente assume a identidade de Saul Goodman, e com isso, está sempre envolvido em esquemas de manipulação e lavagem de dinheiro, e esses são serviços que ele realiza para os cartéis de drogas de Albuquerque (cidade em que se passa os eventos da série).
Ao mesmo tempo, ele também almeja o crescimento profissional dentro do campo da lei, e para alcançar esse objetivo, defende uma grande quantidade de criminosos da região nos tribunais. Assim, para representar essa drástica mudança e a ligação com a criminalidade, o vermelho e outras cores vivas começam a invadir a sua paleta de cores.
Muitas outras figuras estão relacionadas a essa teoria, incluindo Mike Ehrmantraut, retratado com tons mais frios, e Lalo Salamanca, com uma paleta de cores mais quentes. No entanto, creio que o conteúdo desse post já tenha estabelecido uma boa ligação entre a Teoria das Cores e os personagens da série, de modo geral. Agora é hora de explorarmos o último tópico!
O presente e futuro
Outra coisa muito interessante é a forma como a ausência de cor é colocada no contexto de Better Call Saul. Isto porque, como já foi explicado no início, os eventos da série se passam antes de Breaking Bad. Mas, ao longo das temporadas, também há cenas que se passam após a série principal, e para diferenciá-las, Gould e Gilligan utilizam um filtro em preto e branco.

O espectro de cores variadas representa o presente, aquilo que estava sendo vivido por Saul Goodman em Better Call Saul. Enquanto a ausência dessas cores representa o futuro, que também é muito marcado pelo medo e a solidão que emergiram na vida do advogado após o final de Breaking Bad.
A série de Saul Goodman foi finalizada em 2022, e é considerada por muitos um dos melhores spin-offs já feitos. No IMDb (Internet Movie Database), a série tem uma nota 9,0/10, sendo a 30ª mais bem avaliada na plataforma de análise de filmes, séries, jogos e músicas.
A Teoria das Cores é um elemento muito utilizado na cinematografia de filmes e séries, pois consegue trazer harmonia e sentido por meio da pura assimilação do espectador em relação ao que assiste, algo muito valioso quando o objetivo é construir as características de um personagem ou de uma narrativa. No futuro, pretendo fazer essa análise a partir do cinema também, seria um exercício bem interessante.
Espero que você tenha gostado desse post! Uma boa semana a todos, e até mais!
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Deu vontade de assistir a série! Parabéns, Renan, que matéria interessante!
Muito interessante esse novo olhar sobre as cores associado às produções de cinema, é algo que não prestamos muita atenção no dia a dia. Parabéns pela escrita!
Muito interessante esse novo olhar sobre as cores associado às produções de cinema, é algo que não prestamos muita atenção no dia a dia. Parabéns pela escrita!
Eu simplesmente amo essa série; e o personagem protagonista é incrível; merecidamente ganhou uma série própria após notoriedade em Breaking Bad. Quando o ator lança mais fama do que o personagem teria...
Super interessante esta teoria! Parabéns pelo ótimo post!